24/07/2014

Fotopintura




Hoje voltando de ônibus me lembrei de uma notícia que li algum tempo atrás. Um senhor de oitenta e seis anos que cometeu suicídio, saltando da janela do seu apartamento. Não lembro da cidade ou do ano, ou do andar, mas lembro que fiquei um tanto quanto impressionado.

Em tese, além dos oitenta e tanto anos não há muito o que se esperar. Já se enterrou o pai, mãe, meia dúzia de amigos, o amor, sete gerações de gatos e quem sabe um ou dois filhos. O mundo que você nasceu, cresceu e envelheceu não existe mais. O pior já passou. 

E a despeito do corpo que apodrece, do abandono dos parentes, da catarata e da osteoporose, das reprises de novelas e programas de humor no meio da tarde, você não está preso a nada. Tanto faz: livre. Daí que é meio chocante um sujeito saltar de uma janela já no crepúsculo da vida.

Não é preciso viver oitenta e tanto anos pra perceber que os dias nos tornam mais duros. Não falo de experiência, apenas de aridez. Essa é a verdadeira serenidade. Esse músculo no peito fecha-se num único calo.

***

A minha avó arranjou um namorado depois do sessenta. Já estava viúva há trinta anos. Namorava escondido dos filhos, dos netos. E até da fotopintura do meu avô no meio da sala. Quando o namorado chegava, ele jogava um pano por cima do retrato.

O namorado era um sujeito do século passado, com calça de brim e um chapéu miúdo na cabeça, uns vinte anos mais novo. Lembro dele caminhando numa toada mansa, com roupas escuras num solzão de estalar mamona. Exalava um odor de guarda-roupas trancado e tinha muita dificuldade pra entender qualquer coisa que não fosse explicada aos berros. Era um bom sujeito. 

O namoro durou quinze anos, um romance moderno, em casas separadas. 

Segundo consta nas fofocas da família, o homem dormia por lá toda madrugada. E escapava na surdina, antes que o sol apontasse. Apesar do espírito adolescente, era uma pessoa de bem. Queria casar e até visitou meus tios, escondido, pediu permissão, consentimento. 

Queria tudo às claras. Regularizar-se junto à família

Mas minha avó começou a reparar que o colchão do lado onde o namorado dormia estava começando a afundar. Ao invés de trocar o colchão, terminou o namoro. O sujeito ficou inconsolável. Abandonado assim, de um dia pra outro, por nada. Sumiu por um tempo e depois só lembro de vê-lo anos depois no dia do enterro. Soluçando, em silêncio. 

Meu avô deve ter ficado feliz. Nunca mais precisou dormir debaixo do pano.


23/07/2014

Dedo de prosa


Amigos, troquei um dedo de prosa com a querida escritora e jornalista Moema Vilela, sobre o Quebranto. Falei um pouco das minhas influências e do processo criativo em geral. E também sobre a questão do interior na minha ficção.

É só clicar aqui.

Até.